Os tijolinhos
- Elis Stropa
- 9 de jul. de 2018
- 4 min de leitura

Certo dia, andando por São Paulo, me deparei com um prédio que me chamou a atenção. No meio do bairro de Pinheiros, ao lado de edifícios da mesma altura, um residencial de 11 andares se destacava por sua coloração laranja e sua textura diferenciada (resultante de uma composição diferente dos tijolinhos). Achei aquele prédio tão cheio de personalidade e o trabalho da fachada tão cuidado e bem feito que me pus a pensar sobre como o tijolinho é usado hoje em dia. Quando andamos nas ruas e passamos por aquelas antigas casas com fachada de tijolinho aparente, não lembramos que esse é talvez o material mais antigos criado pelo homem para a construção civil. O tijolo mais antigo de que se tem registro foi encontrado na Turquia e data de 7500 a.C.. Ele nasce junto com os primeiros templos e cidades, e sua produção vem sofrendo transformações que ampliaram sua variedade ao longo dos séculos.
A história da arquitetura está repleta de exemplos importantes que utilizaram o tijolo como material construtivo. A razão de sua popularização na Europa foi principalmente suas propriedades termodinâmicas: o tijolo de argila absorvia calor durante o dia e liberava-o devagar durante a noite. Dessa forma, ele era um grande aliado para aquecer as noites frias e também para manter o ambiente fresco nos dias quentes.

No Brasil colonial, as construções de taipa e adobe tinham a mesma eficácia térmica e eram mais fáceis de produzir, já que não precisavam de forno. Mesmo assim, desde o século XVII, as construções com tijolos cerâmico cozidos já eram comuns na Bahia. Mas no sudeste do país, o tijolo só começou a se popularizar no século XIX. A partir de então vemos o surgimento de sobrados, ferroviárias e diversos edifícios públicos que exibiam o tijolo aparente como principal elemento de sua fachada.
Mas com o passar do tempo o tijolinho foi desaparecendo das construções, substituído pelo tijolo baiano, que não é deixado aparente ao final da obra. Um dos motivos para esse abandono é que o tamanho do bloco do tijolo maciço é menor, exigindo mais blocos por m2, maior quantidade de argamassa e mais tempo de mão de obra. Além disso, se o objetivo é deixar aparente, a mão de obra deve ser qualificada para que o assentamento seja regular. Apesar de serem todos motivos válidos, vemos em muitas reformas e restauros a vontade dos moradores de revelar os tijolinhos ocultos por baixo das camadas de tinta. Esse movimento não ocorre apenas com os tijolinhos, vigas e pilares de concreto também estão sendo expostos, isso porquê todas essas materialidades têm seu lugar na história da arquitetura brasileira. E essa vontade dos moradores tem a ver com a memória que o material traz, a personalidade que ele dá à casa e a uma espécie de calor que não tem a ver com termodinâmica nenhuma.
Mas será que o tijolinho não tem mais lugar em construções novas? Hoje existem tijolos de todas as formas e tamanhos e também de outros materiais que não a argila, por exemplo tijolos de concreto e de vidro, além dos mais novos tijolos ecológicos e daqueles provenientes de plástico reciclado. Há tijolos refratários específicos para lareiras e churrasqueiras, tijolos próprios para construções de alvenaria estrutural, tijolos que servem apenas como vedação e até tijolos próprios para revestimento, que buscam imitar o tijolinho clássico (ou são fabricados a partir deles). Há até mesmo papeis de parede e revestimentos cerâmicos, de gesso ou de isopor feitos para emular o efeito do tijolinho. Diante disso, não creio que as pessoas tenham deixado de gostar da estética do tijolo aparente, então a resposta é sim, ainda há lugar para o tijolinho na estética arquitetônica contemporânea.
Mesmo assim, não se vê mais a construção de paredes inteiras com blocos maciços. Isso é uma pena, afinal, toda a vantagem termodinâmica que o tijolinho pode oferecer não é mais aproveitada. Os buracos existentes nos tijolos mais usados hoje, diminuem o tempo em que o calor fica retido, de modo que ele penetra mais rapidamente na casa durante o dia e não se mantém armazenado durante a noite. Além das dificuldades do canteiro de obra citadas acima (que por si só já são bons motivos para não se usar o tijolinho em paredes muito grandes), sua fabricação é muito prejudicial ao meio ambiente. Mas se formos pensar nas questões ecológicas, também deveríamos parar de usar o cimento e o aço, então não creio que esse seja o principal motivo do desuso.
Ainda acredito que possa valer à pena pensar sobre o assunto e não ter medo de empregar novamente essa técnica. Se houver a preocupação com a sustentabilidade, sempre é possível empregar tijolinhos de demolição, não é necessário fabricar novos. Usar o tijolinho apenas como acabamento é deixar passar a oportunidade de aproveitar todas as vantagens desse material.
Por outro lado, há de se considerar que as tecnologias hoje avançaram e há outros sistemas construtivos no mercado (até mais eficientes). O Brasil em especial é um país em que o modo de se construir ainda é arcaico e em que as novas técnicas demoram a ganhar espaço. Dessa forma, é sempre necessário ponderar a situação de cada construção. Ela já usará algum tipo de tijolo que pode ser substituído pelo maciço? Há o desejo de deixar o tijolinho aparente? A mão de obra conseguirá fazê-lo corretamente? No caso das respostas serem afirmativas, o tijolinho será muito bem vindo.
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