"Boa Arquitetura"
- Elis Stropa
- 23 de jul. de 2018
- 4 min de leitura

Em 2016 eu estava cursando o 3º ano de Arquitetura e Urbanismo e precisei fazer um trabalho para a matéria "Ética na arquitetura". Meu grupo ficou com o tema "As Jóias de Gehry" e deveríamos discutir o fato de o arquiteto Frank Gehry ter assinado o design de uma linha de jóias da famosa marca americana Tiffany. Ao me aprofundar no estudo sobre um arquiteto tão polêmico (não só pelas jóias, mas também pela arquitetura em si), acabei simpatizando com a figura daquele senhor tão divertido e apaixonado pelo seu trabalho. Gehry ganhou o Pritzker de 1989, mesmo assim, muitos nunca consideraram suas obras como "boa arquitetura". Aliás, entre diversas polêmicas que dividem a opinião dos arquitetos, a tal "boa arquitetura" é uma das mais antigas, apesar de nem sempre ter se apresentado com esse termo.
Podemos hoje olhar para trás e nos perguntar se a arquitetura da Grécia e Roma antigas são apenas aquelas das ruínas de templos e palácios, às vezes das Villas de Palladio, ou se também havia alguma boa arquitetura no que era moradia da maioria da população. A Idade Média também apresentou sua boa arquitetura nos palácios e igrejas góticas, mas será que alguma técnica construtiva dos celeiros e cabanas camponesas também seria digna de atenção? Dentre as grandes obras renascentistas, monumentos consagrados como a Ópera de Paris, o Palácio de Versalles e a Catedral de Santa Maria del Fiori com a histórica cúpula de Brunelleschi são sem dúvidas exemplos de boa arquitetura aliada a uma revolução na engenharia da época. Mas teriam os prédios estreitos e apertados da Paris medieval algo a nos ensinar? A partir do século XX a arquitetura moderna se apresentou com várias faces, mas são as linhas retas e minimalistas as que marcaram sua identidade e são mais lembradas até hoje. Mesmo assim, sempre houve um Art Decó e um Art Nouvo a fazer o contraponto e a defender o adorno. Alguma dessas arquiteturas é melhor que a outra?
Após a Segunda Guerra Mundial vemos diversos movimentos surgirem no campo da arquitetura para questionar justamente essa hegemonia da "boa arquitetura" que havia se estabelecido com moldes em Le Corbusier, Mies Van der Rohe, Frank Lloyd Wright entre outros. Surgiram arquiteturas diferentes vindas do casal Smithson, de diversos brutalistas e de defensores da arquitetura nômade e adaptável como o Archigram, os Metabolistas e os Situacionistas. Alguns nomes específicos também contribuíram para mudar, pouco a pouco a visão de que apenas a arquitetura moderna era válida, são exemplos: Zevi, Rogers, Argan, Kahn, Rossi, Venturi e até mesmo Jane Jacobs. O Brasil não fica de fora dessa discussão, e teve arquitetos como Artigas e uma geração inteira de arquitetos paulistas realizando obras brutalistas. Sérgio Ferro e o grupo do Arquitetura Nova foram mais longe ao questionar a postura dos arquitetos perante a realidade econômica e social do país. No restante da América Latina, nomes como Carlos Raul Villanueva, José Villagrán García, Juan O'German, Enrique del Moral e Luís Barragain (premiado com o Pritzker de 1980) misturaram a tradição vernacular às influências estrangeiras.
Depois dessa revisão à jato super sintética de 4 anos de aulas de história da arquitetura na faculdade (com muitos detalhes omitidos e eventos pulados) resta a questão inicial: existe uma "boa arquitetura" definida? Será que os brutalistas não têm tanto mérito sobre revelar a verdade dos materiais quanto Venturi tem em escondê-la? É errado que se esconda a estrutura e se crie cenários sobre cascas que não têm nada à ver com seu interior? É errado que se deixe as tubulações de água, esgoto e instalações elétricas aparentes em uma casa onde "não faltou dinheiro"?
O próprio prêmio Pritzker é muito questionado quanto a seus critérios. Já premiou amantes dos mestres modernos como Philip Johnson e Oscar Niemeyer, mas também os "decoradores de fachadas" como os já citados Frank Gehry e Robert Venturi. Além disso, o prêmio abriu espaço para diversos nomes orientais como Tadao Ando, Toyo Ito e Shigeru Ban que apresentam obras com estruturas orgânicas em madeira (nada tradicionais no ocidente). Vê-se com isso que o prêmio não é estático e que é capaz de abranger cada vertente arquitetônica em sua importância particular. Ele nos mostra que não existe apenas uma "boa arquitetura", e sim várias. Toda abordagem tem seu propósito e é boa arquitetura para a situação em que se aplica. Creio que a arquitetura de Gehry não seja muito vantajosa se aplicada à habitação social, afinal de contas, nesse caso o preço tem papel fundamental. Por outro lado, o Walt Disney Concert Hall e a Fundação Louis Vuitton eram projetos que exigiam uma ousadia e formas futuristas que não se encaixam no estilo de qualquer arquiteto.
Trazendo essa discussão para o dia a dia de nós arquitetos comuns, qual a boa arquitetura que nos cabe fazer? Essa é uma pergunta difícil e creio que nunca será o bastante refletir sobre ela. A questão é que em arquitetura o certo e o errado não são claros e os opostos se cruzam e desafiam a todo momento, às vezes até se complementam. Às vezes optamos por descascar uma coluna e revelar o concreto da estrutura, outras vezes preferimos manter o concreto oculto por um revestimento em porcelanato, um tijolinho falso ou até um papel de parede. Algumas dessas opções é mais correta ou ela varia de acordo com a linguagem, a proposta e o orçamento? Nós como arquitetos devemos identificar as oportunidades nos pequenos desafios do dia a dia e sempre buscar a melhor arquitetura possível para cada problema proposto.
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